terça-feira, 9 de novembro de 2010

JESUS CRISTO

= AS MINHAS LEITURAS =
O Cristianismo é uma Pessoa: JESUS CRISTO
Jesus Cristo é o coração, o cume, a síntese do anúncio evangélico; nunca podemos esquecer isto. O Cristianismo em si não é uma concepção da realidade, não é um conjunto de preceitos, não é uma liturgia. Não é sequer um arrebatamento de solidariedade humana nem uma proposta de fraternidade social. Mais, o Cristianismo nem sequer é uma religião. É um acontecimento, um facto. Um facto que se concretiza numa pessoa.
Actualmente ouve-se dizer que, no fundo, todas as religiões são equivalentes, pois todas têm algo de bom. Provavelmente até é verdade. Mas o Cristianismo pouco tem a ver com isto porque o Cristianismo não é uma religião, é Jesus Cristo; ou seja, uma Pessoa.
O retrato-robot de JESUS CRISTO
Eu apostei n’Ele a minha vida, a única vida que tenho e, por isso, de vez em quando tenho necessidade de contemplar o mistério, de relembrar o retrato-robot de Jesus Cristo.
Ouvimos falar muitas vezes de Jesus Cristo. De quando em vez nos jornais alguém faz um artigo sobre Ele; de quando em vez inventam-se e dão-se interpretações sobre quem Ele é, mas os únicos textos que nos falam de Jesus Cristo são os Evangelhos. Por isso ou se respeitam os Evangelhos ou se renuncia a falar d’Ele. Portanto, não vou dizer nem sequer uma palavra que não seja documentável; ao contrário de quem inventa livros, filmes e palavras.
Que tipo de Pessoa era?
Uma pergunta, a mais simples: Quem era esse Jesus Cristo? Que tipo de Homem era? Sobre isto o Evangelho não avança muito e devo dizer que isso me irrita um pouco porque n’Ele apostei a minha vida e nem sequer sei muito.
Era um homem bonito. Há um episódio no capítulo 11 do Evangelho de S. Lucas em que Jesus Cristo está a falar à multidão. De repente, uma mulher, soltando um grito de entusiasmo, diz: “Felizes as entranhas que Te trouxeram e os seios que Te amamentaram!”. É o primeiro elogio a Jesus Cristo. E é feito em termos muito ... corporais. Tanto assim é que, depois, Jesus censura-a por descurar a Palavra de Deus e se fixar na Sua beleza, dizendo-lhe: ”Felizes os que escutam a Palavra de Deus.” Mas nós agradecemos a essa mulher desconhecida que tornou possível responder à pergunta anterior: Jesus Cristo era realmente um bonito homem.
Os Seus olhos
E tinha dois esplêndidos olhos. O olhar de Jesus Cristo tocava quem o encontrava. Os Evangelhos, sobretudo o de S. Marcos, falam muitas vezes do seu olhar: um olhar penetrante sobre Simão Pedro que Lhe é apresentado pelo irmão; um olhar afectuoso sobre o jovem rico, aquele que depois se afasta por Ele lhe ter dito que ”deixasse tudo e O seguisse”; um olhar de simpatia sobre Zaqueu, o chefe dos publicanos, os cobradores de impostos que roubavam, que O olhava empoleirado na árvore. E ainda um olhar de tristeza sobre a oferta dos ricos, de indignação sobre o que se passava no templo, de dor por quem O vai trair ...
Numa palavra: o Seu olhar era um olhar que falava ...
Tinha ideias claras
Um olhar que dava a entender como Jesus Cristo tinha ideias claras; muito claras. Quando falava, nunca dizia: talvez, em minha opinião, parece-me. Não tinha papas na língua, nem sequer diante dos poderosos. Lembram-se de Ele chamar raposa ao rei Herodes?
Homem livre
Mas uma das coisas mais belas de Jesus Cristo é que Ele era um Homem livre; mesmo em relação aos amigos. Quando S. Pedro faz a sua profissão de fé (de vez em quando até S. Pedro acertava uma ...), Jesus Cristo faz-lhe um elogio como nunca ninguém fez a um homem, tanto que S. Pedro provavelmente se envaidece, começando a pensar em grande. Mas quando Jesus lhe anuncia que o seu destino é ser condenado à morte e S. Pedro, que já se sente primeiro-ministro do reino de Deus e toma Jesus pelo braço e O censura, Jesus nem sequer olha para ele e trata-o muito duramente: “Afasta-te de Mim, Satanás, os teus pensamentos não são os de DEUS, mas os dos homens”. Nada mal para um amigo, não acham?
Ainda mais livre em relação aos familiares
Em relação aos familiares, por vezes, ainda era pior. Quando Jesus Cristo deixou a Sua casa, aos trinta anos, consideram-n’O louco. É o que diz o Evangelho de S. Marcos, capítulo 3: ”Saíram (os Seus familiares) a ter mão n’Ele, pois dizia-se: “Está fora de Si”.”
Depois, quando as pessoas começam a segui-l’O, os familiares procuram aproximar-se d’Ele por perceberem que, de alguma maneira, está a ganhar poder. É então que chamam Maria para procurar convencer Jesus a voltar para casa. E Ele? Logo entende tudo e aparenta não reconhecer nem sequer Sua Mãe.
Jesus Cristo amava
Não pensem, porém, que era um homem demasiado duro. Jesus amava. Muito. Sobretudo as crianças. Sabia compreendê-las, qualidade que em nós, os adultos, raramente temos; em geral, quando falamos com elas, só sabemos perguntar quantos anos têm, em que ano andam na escola ... O que não lhes interessa nada. Ele, pelo contrário, diz: “Deixai vir a Mim as criancinhas.”
Depois, os amigos. Jesus Cristo tinha um forte sentido da amizade. Por exemplo, era verdadeiramente amigo dos seus discípulos e entre eles, particularmente ligado a Pedro, a João e a Tiago e, mais uma vez, de entre estes, João era especialmente amigo. Em suma, também Ele tinha preferências entre os Seus amigos. O que é natural; os amigos não são todos iguais.
Depois, Jesus Cristo amava o Seu povo. Sentia-Se plenamente hebreu, israelita. Tanto assim que pensar na destruição de Jerusalém O fez chorar.
A Sua atenção aos pormenores
Mas há ainda uma outra coisa na personalidade de Jesus Cristo que sempre me tocou: a Sua atenção aos pormenores. Jesus Cristo era muito atento às pequenas coisas da vida até porque delas Ele sabia fazer parábolas. Pensemos naquela em que o reino de Deus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura na farinha até que tudo esteja fermentado. Ou na parábola do amigo inoportuno que tem de ser atendido para o outro se poder livrar dele. Como isto é verdade!
Lembram-me os nove anos em que fui pároco de Leggano: havia uma senhora que todos os dias vinha ter comigo, queixando-se do marido. Mas que podia eu fazer? Não ia matá-lo!
Um episódio: a pecadora arrependida
E havia tantos outros episódios a recordar. No capítulo 7 de S. Lucas conta-se que Jesus Cristo está a almoçar em casa de um fariseu. A certa altura entra uma daquelas mulheres a quem não se sabe propriamente como chamar ... digamos: uma pecadora ... Essa mulher coloca-se junto d’Ele e começa a fazer-Lhe elogios, perfuma-O. Era um espectáculo muito embaraçoso como se fosse um almoço paroquial em que o pároco da terra tivesse convidado o presidente da Câmara e o comandante da polícia e entrasse uma dessas tais mulheres e se pusesse a elogiá-lo. No entanto, Jesus Cristo não se perturba. Pelo contrário, defende-a quase com cavalheirismo.
Uma figura humana excepcional: só isso?
Pelo Evangelho, reconhecemos n’Ele uma figura excepcional. A ponto de Pilatos, ao apresentá-l’O ao povo, dizer: “Eis o Homem”.
Eu, porém, digo: eis o nó da questão. Jesus Cristo era simplesmente um homem? Porque mesmo a maior parte das pessoas que não crêem n’Ele, consideram-n’O um grande homem, um homem admirável. Mas é uma posição insustentável, se considerarmos o que Jesus Cristo disse de Si próprio. Exemplos? Define-Se como “Filho do Homem” que era um título usado nas profecias de Daniel para indicar uma personagem misteriosa que teria vindo do céu e que poria fim à história. E com este título Jesus evoca a Sua origem celeste e o seu carácter definitivo. Depois, diz ser “maior que David”. Para os judeus, David era o rei ideal, o ideal da monarquia e da realeza.
É mais do que um homem
Mas talvez a coisa mais séria seja o que Ele afirma no Sermão da Montanha: “Felizes os pobres ... e assim por diante, lembram-se? Bom, Ele começa o sermão dizendo: “Ouvistes que foi dito aos antigos «Não matarás.» Eu, porém digo-vos, ...” Reparem bem, com esta frase Jesus Cristo quase corrige a Revelação de Deus. Ou seja, reivindica para Si até o poder de julgar o homem. E quem o pode fazer senão alguém que se considera Deus?
E as outras coisas que recomenda? “Quem der a vida por Mim, conservá-la-á.” Ora, dar a vida por alguém não é brincadeira nenhuma. Uma vez, por ocasião de uma visita pastoral, uma criança perguntou-me: «Estaria disposto a dar a vida pelo Senhor?». Pensei e respondi: «Olha, eu até estaria disposto a dar a vida pelo Senhor. Mas custa-me muito.» Era uma tentativa de juntar o dever com a sinceridade.
E ainda: “Dá de comer ao teu irmão porque nele é a Mim que vês.” Se um partidário histórico do revolucionário Mazzini dissesse: «Ajudai os camaradas, neles vereis Giuseppe Mazzini», diria uma coisa que não comoveria ninguém porque um pobre homem vivo é muito mais importante do que Mazzini morto. Mas ... e Jesus? Jesus Cristo recompensa com a Vida Eterna.
Também S. Marcos o diz quando escreve no seu Evangelho de maneira um tanto humorística: “Quem tiver deixado casa, mãe, pai ou campos por Minha causa, receberá cem vezes mais, agora, juntamente com perseguições e no tempo futuro a vida eterna.” É como dizer: primeiro, tareia; depois, o Paraíso.
Jesus Cristo é Deus
Porque a verdade é que Jesus terá sido um grande Homem, um homem excepcional. Mas, sobretudo, Ele é Deus. É verdadeiramente Deus. É o Filho de Deus. Não como somos todos nós, como são todas as criaturas, como são os passarinhos (também eles são filhos de Deus); Ele é o Filho propriamente dito, o Unigénito.
Uma parábola inverosímil
Nos últimos dias da Sua vida, Jesus Cristo conta uma parábola, uma das mais inverosímeis na sua estrutura literária (o que interessa a Jesus não é contar um conto realista, mas transmitir uma mensagem); é a parábola dos vinhateiros infiéis e homicidas, que ocupavam a vinha do proprietário sem lhe dar conta de nada em troca. Então, o proprietário manda alguns criados para receberem a renda. Os vinhateiros espancaram-nos. O proprietário manda outros, mas os vinhateiros matam-nos. Até aqui, em minha opinião, trata-se de uma história um tanto exagerada como podiam pensar em matar assim as pessoas e escaparem sem problemas? Mas nesta altura a parábola torna-se uma coisa absolutamente de loucos. O proprietário diz: «Tenho um filho único; vou mandá-lo porque a ele hão-de respeitar.» Mas qual é o pai que, sabendo ter bandidos em casa, arrisca o seu único filho? E com efeito, os vinhateiros decidem matá-lo também de modo a herdarem o património do proprietário. (Gostava de saber em que código está escrito que a herança passa para os assassinos do único herdeiro!) Em suma, a parábola é de todo disparatada e, no entanto, realizou-se literalmente. Jesus foi morto fora da vinha, fora dos muros de Jerusalém; e foi o Pai que O enviou.
Diante d’Ele só resta cair de joelhos
Juntemos todos estes dados. Daqui resulta o retrato de um homem excepcional que diz ser Deus. Uma provocação! Mas há que aceitar essa provocação. Porque, se alguém se apresenta deste modo, se afirma ser Deus, pouco há a fazer: ou a pessoa é louca e então não se pode admirá-la ou então é verdade o que diz e nessa altura devemos ajoelhar-nos. Não basta dizer apenas é um grande homem.
O anúncio dos apóstolos e o nosso anúncio:
Jesus Cristo ressuscitou! Jesus Cristo está vivo!
E, de facto, que disseram d’Ele os apóstolos? Qual é o núcleo da mensagem cristã? Apenas uma palavra: ressuscitou. Ressuscitou dos mortos. Os apóstolos andaram de um lado para o outro a dizer que Jesus Cristo tinha ressuscitado e que estava vivo. Sim, vivo, ainda hoje!
Quando eu era professor em Milão, no Instituto de Pastoral, dei uma aula sobre a ressurreição de Jesus Cristo. Terminada a aula, uma senhora aproximou-se e perguntou-me: «Mas quer mesmo dizer que Jesus Cristo está vivo?»; «Sim, minha senhora, que o seu coração bate como o seu e o meu.» «Então tenho de ir para casa dizer isso ao meu marido.» «Muito bem, minha senhora, tente dizer isso ao seu marido.» No dia seguinte, a senhora voltou a vir ter comigo e disse: «Sabe, disse aquilo ao meu marido.» «E ele?» «Respondeu-me: Deves ter percebido mal.» Reparem que aquela senhora era catequista. No entanto, estava desconcertada. Eu dei-lhe a gravação da aula. Ela deu–a a ouvir ao marido.
Se é assim, muda tudo
E, por fim, ele cedeu. «Mas se é assim, muda tudo.»
Pensem nisto e digam-me se não é verdade; se aquele homem belo, bom, excepcional, é de facto Deus e se ainda está vivo entre nós; então realmente tudo muda.
Texto escrito pelo
Card. Giacomo Biffi
Arcebispo de Bolonha
In Settimana nº28-29; 1996.
Publicado pelo
Centro de Estudos Pastorais do Patriarcado de Lisboa
Ano de 1996-7.

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